mar_maior_10

be rgb
4 min readSep 20, 2020

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(de casa)

S. e P. ou P. e S.

esta garrafa começou em setembro de 2019, quando família, S. e P. ou P. e S., me trouxe de viagem vinho do porto Sandeman | foi por elus que conheci a bebida de que mais gosto do sabor, vinda desses caminhos, possíveis porque eu fico em nossa cidade para cuidar de K. enquanto viajam | estadias entre ninho de luas e toca de sóis, agora o farol da Santa Luzia | porém, de efeito a bebida de que mais gosto é cachaça | guardei aqui comigo essa garrafa e senti que seria uma a fazer, deixei no armário para quando viessem me visitar | vieram 13 dias antes, porque tive que fazer cirurgia daquilo que começou há 12 anos e chegou ao ponto de operação e só pude escolher a de recuperação mais difícil, mas mais garantida, porque disseram que viriam me ajudar | curioso pensar que vieram de SP de carro pra me tirar direto do PS

depois de 1 semana e 1 dia sem nem atravessar a porta do apartamento para ficar em repouso, os 3 cm de ferida aberta a cicatrizar pós-cirurgia | curativos feitos por S. | é 19 de setembro de 2020, começa a crescente em Libra sorrindo faceira | tanta saudade do sul da ilha, desde 9 de março | sempre vão à praia do Matadeiro, mas temem pela trilha por mim, ainda que eu diga que consigo | P. insiste que não, sugiro a praia da Solidão | acordamos cedo e vamos, meus olhos marejam no caminho | é como se tivesse sido ontem | passeando, escutando música | depois de 44 minutos segundo o Maps, chegamos | cadeiras, esteira, K., vamos à praia | tudo muito calmo, poucas pessoas, vento lés-sudeste fraco, água até que morna | há pessoas pescando com varas e junto à areia com um instrumento que não sei precisar | encontramos um ponto de sombra e ali ficamos | S. de pronto quer ir ao mar, fico com P. e K. | um pouco depois, pego a garrafa, vou até a direção de S., passo por sua esquerda e sigo adiante | ela faz suas orações | enquanto encho a garrafa, também rezo | agradeço a ela, a Iemanjá que me criou e cuidou; a Janaina, médica que me operou; a Janaína-Iemanjá, orixá comigo e com S. | permaneço um tempo, sinto algo no vento me tocar o ombro para voltar, quando viro, percebo que S. também começou a voltar para a esteira | P. e S. resolver dar uma caminhada, fico com K. | escuto áudios de J. sobre meu começo de escrita de prefácio ao seu livro, me emociono | quando S. e P. voltam, perguntam se quero andar, digo que sim, e se S. vai junto ou se vou sozinhe | como não querem que eu ande muito, que seja uma só volta, digo que quero ir só e também me incentivam a isso | na volta, encontro uma lasca de concha, que é como a que está no prefácio para o livro de J., sorrio, penso que vou dá-la para sua filha A. quando nascer, gravo isso para J. | vou até o canto das pedras onde sempre gostei de achar o diabásio polido pela água, a pedra fosca reluzente | não encontro o trecho polido, a areia cobriu, mas acho aquele gretado entre o granito | sigo pelas pedras, encosto, uma família está ali | a cachorra, chamada Flor, pula em mim | a senhora me conta que ela é misturada, tinham um salsicha, que morreu atropelado porque o filho dela estava do outro lado da rua e atravessou; e ela mesma nem queria sair com a Flor, morre de medo, mas o filho queria vir à praia | digo que sinto muito e faço carinho na Flor, que continua pulando em mim | resolvo seguir caminhada e em breve retorno à esteira, ficamos mais um pouco e vamos | peço para que paremos para ver os barcos no trapiche da Armação | tantos meses

faço este registro à noite, da playlist "família na rede", chorando emocionade com tantas delas | é toda uma história e são várias

uma luz azul me guia
com a firmeza e os lampejos do farol
tem que morrer pra germinar
plantar nalgum lugar
eu sei, a vida não para
a vida não para não
e quem será na correnteza do amor
que vai saber se guiar?
changes are shifting
outside the words
nos caminhos desta vida
muitos espinhos eu encontrei
minha jangada vai sair pro mar
vou trabalhar, meu bem querer

[poema escrito em papel com carvão vegetal usado para desenhar barcos e caminhos pelas dunas e amarrado à garrafa com pedaço de rede de pesca cinza achado na Ponta das Campanhas]

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be rgb

escrevo/traduzo/pesquiso/reviso/edito | "mar maior" é 1 ritual poético/performance devocional em que levo garrafas pras gentes c'água do mar e cada relato narra